É “Vizinho com Alma” desde o início do projeto e foi no seu local de trabalho que fez o apelo para ajudar todos os meses o Centro Comunitário. O Centro Comunitário da Paróquia de Carcavelos (CCPC) quis saber, em primeira mão, como está a correr esta experiência.
CCPC: Porque decidiu ser um “Vizinho com Alma”?
Francisco Fatela: Como todos os outros projetos do CCPC que conheço, pareceu-me uma ideia extraordinária, com todos os detalhes de divulgação, envolvimento da comunidade e de concretização muito bem pensados. Um trabalho de autênticos amadores! Isto é, de quem se entrega às ideias e se compromete com os outros por amor, mas com uma atitude e um desempenho absolutamente profissional.
CCPC: Qual a sua zona de recolha?
FF: Não posso dizer que tenha uma zona de recolha. Quando o projeto foi apresentado pelas técnicas Zulmira Pechirra e Marta Pereira e pelo Pe. António Teixeira, senti que não devia envolver os vizinhos do meu prédio porque moro fora de Carcavelos e no meu bairro também há um centro comunitário, com banco alimentar. No entanto, é no meu serviço que tenho as “relações de vizinhança” mais fortes. Mais que colegas, muitos deles são verdadeiros amigos. Portanto, a minha zona de recolha é o meu local de trabalho, em Lisboa.
CCPC: Como tem corrido a sua experiência como responsável de recolha?
FF: Não poderia ter corrido melhor. Apesar de exercermos uma atividade profissional em que o vencimento está acima da média nacional (que é muito baixa, essa é a verdade…), sofremos cortes de 30% na nossa remuneração anual, pelo segundo ano consecutivo. Olhando para o volume de produtos alimentares, de roupa e até de dinheiro, que conseguimos reunir na primeira semana, tenho a certeza que todos estes “vizinhos com alma” não estão a dar só do que lhes sobra, mas também um pouco do que lhes faz falta.
CCPC: Que feedback tem tido das pessoas a quem tem pedido colaboração?
FF: Depois de um apelo geral a todos estes meus “vizinhos”, recebi a resposta de adesão imediata de metade das pessoas. Tenho plena consciência que alguns não aderiram, simplesmente por que não podem. A resposta destas pessoas é de profunda solidariedade e discrição, própria de quem vê neste projeto um meio direto de ajudar os que estão a passar por um momento pior nas suas vidas. A participação destes “vizinhos de fora” num projeto da Paróquia de Carcavelos, resulta da reconhecida idoneidade do CCPC e das pessoas que aí desenvolvem os vários projetos. Tanto mais que nestas 20 pessoas, só uma mora em Carcavelos, muito poucas são crentes e podemos encontrar quem se identifique nos diferentes quadrantes da política portuguesa.
CCPC: Que impacto tem tido para si fazer parte deste projeto?
FF: Tive a enorme satisfação de confirmar o que já sabia: independentemente das convicções religiosas, ideológicas e políticas, podemos contar uns com os outros. Nos maus momentos, há uma humanidade que, mesmo em meio urbano, levanta uma maré de solidariedade empenhada, generosa, inclusiva e que não prescinde de ser discreta.
Sinto, uma vez mais, que os valores que nos unem como povo, são mais fortes do que todas as ideias e modos de vida que nos distinguem no dia-a-dia. São valores que, pela ação, nos elevam muito acima das manifestações de inconsciência social e das provocações daqueles que estão a beneficiar, despudoradamente, com a situação de crise, que criaram.
Fazer parte deste projeto compromete-me também, como cristão, a assumir a outra vertente da ajuda que se traduz na oposição frontal à desumanidade das opções ideológicas e financeiras, dos poucos que jogam e lucram com a falta do pão de cada dia de tantos, nas iniciativas cívicas e nas ações de protesto que têm enchido as nossas ruas e as nossas praças.